"nós temos tudo"

recebi este texto há três dias. não sabia do que se tratava. li-o agora. emocionei-me. não deixem de ler, porque muito do mais importante que a vida tem está aqui.

nós não temos muito dinheiro: não vamos a restaurantes, compramos marca branca, roupa na primark. não temos iphones, nem plasmas, nem bimby. nunca comemos bifes do lombo. temos um carro que às vezes não pega. nas férias vamos às praias da caparica. vendemos o que já não precisamos para ganhar algum. tentámos emigrar para não estarmos sempre a contar tostões. nunca conseguimos poupar: nunca sobra nada. houve meses piores: em que um pacote de fraldas fazia diferença nas contas. em que adiávamos as contas da luz para o mês seguinte. mas as coisas vão correndo bem, vão andando: e às vezes compramos frango assado para o jantar. um brinquedo novo para eles. entradas no oceanário. caracóis e gelados na esplanada. o nosso frigorífico tem sempre comida. eu faço um bolo todas as semanas. vivemos bem: não sinto falta de nada.


estava a pensar em todas estas coisas quando vi um apelo: uma família em dificuldades. o pai desempregado, a mãe, um filho, uma menina como a maria. pediam alimentos. pensei que podiamos ajudar. não acredito em deus: naquele momento apeteceu-me agradecer-lhe este novo trabalho. expliquei à maria o que íamos fazer: iamos comprar comida para uma menina como ela. e ela ajudou-me a colocar as coisas no cesto enquanto dizia: massa para a menina. arroz para a menina. leite para a menina. cereais para a menina. disse-lhe que se ela quisesse também podia dar um brinquedo dela à menina. quando chegámos a casa ela correu para o quarto para o escolher.
sozinha na cozinha passei os alimentos para um saco grande: a massa, o leite, o feijão, o arroz.  lembrei-me que não tinha arroz agulha na minha despensa: tinha carolino, arroz de risotto, basmati, integral. não tinha agulha. guardei um dos 4 pacotes na minha despensa.
a maria apareceu à minha frente com a carolina na mão: queria dá-la à menina. perguntei-lhe se tinha a certeza. se não ia sentir falta dela: era a única boneca que ela tinha com cabelo. ela pediu durante meses um bebé com cabelo. ela disse que tinha a certeza: queria dá-la à menina: meteu-a no saco.
fiz uma chávena de café, cortei uma fatia do bolo que fiz naquela semana e sentei-me no sofá de 4 lugares a ver um dos 74 canais que nunca vejo. quando olhei para o lado vi a maria: estava a brincar com a carolina. perguntei-lhe se já não a queria dar. ela respondeu-me que sim, que a queria dar. estava a brincar com ela porque "às vezes vou ter saudades dela e ela vai ter saudades minhas". eu não respondi: sorri: olhei para a televisão. à minha frente sempre: a maria. para lá e para cá. parou: com as mãos nos meus joelhos disse-me "sabes mãe, a carolina é a única que tem cabelo, mas este bebé tem dentes, este tem chapéu, este tem uma banheira e este fala.": atrás dela alinhados no chão: 4 bonecos. ela tinha um sorriso no rosto enquanto apontava para eles. "vês?"-perguntou. vi. vi: carolino, risotto, basmati, integral. levantei-me envergonhada. eu não sou uma pessoa egoísta, a sério que não. mas senti-me a maior, a pior das egoístas: senti-me mal. mais pequenina do que ela, que com 3 anos já é tão grande. disse-lhe que sim, que via. disse-lhe que ela tinha razão. chamei-me nomes enquanto tirei o arroz agulha da minha despensa e o coloquei no saco: a carolina já lá estava outra vez. às vezes digo que os meus filhos me mudam todos os dias, me ensinam coisas: grandes lições. uma vez uma amiga que ainda não é mãe perguntou-me: a sério? tipo o quê?tipo isto, "vês?".

Comentários

Fiquei com o meu coração apertadinho... Ia jurar que devo ter deixado de respirar enquanto lia.
Enjoy the Ride disse…
se ao menos todos, com pouco, ajudássemos. :(
Também me emocionei. Para além de ser uma história muito bonita, está mesmo bem escrito...