do amor

a propósito deste post, alguém me perguntou por que esperei tanto. quando penso nisso, a esta distância, a resposta é óbvia: porque só pode ser assim quando nos apaixonamos todos os dias pela mesma pessoa. nos dias bons, não há segredos: o aconchego de um abraço, a alegria de uma surpresa, a ternura de uma noite feliz, a cumplicidade em cada gesto ou olhar, a partilha de uma confidência. 
o segredo está em todos os outros dias, em que, quando já é difícil ser um, temos que nos amarrar ao outro, que é parte de nós, para não deixar que o chão nos fuja. nesses dias, em tudo diferentes e excecionais, torna-se mais fácil perder o norte, gritar com quem não merece, ser injusto com o amor que nos acolhe. nem sempre temos o discernimento para o fazer. nem sempre nos deitamos com a sensação de paz que a tranquilidade daquele amor nos dá. mas tentamos. e de todas as vezes em que o fazemos, mesmo não sendo totalmente bem sucedidos, salvamos o dia, afirmamos o amor uma e outra vez, como se a vida dependesse disso. e depende. o colo que nos espera com uma palavra de afeto, um beijo protetor e o silêncio discreto de quem diz tanto sem falar.
foi tudo isto, e o tanto que não caberia aqui [porque não há palavras que exprimam o que a alma sente], que me fez esperar, nos dias soalheiros, mas também nas tempestades. e foram sobretudo estas que me fizeram reconhecer que o melhor da vida é apaixonarmo-nos todos os dias. pela mesma pessoa. 

"Perguntamos a nós próprios: em que medida, neste tumulto da perda, é que a perdi, ou perdi a vida que tínhamos juntos, ou perdi o que nela me fazia ser mais eu, ou perdi a simples companhia, ou (menos simples) o amor, ou todos e quaisquer bocadinhos de cada coisa sobrepostos? Perguntamos a nós próprios: que felicidade existe só na memória da felicidade? E como é que isso alguma vez resultaria, dado que a felicidade consistiu sempre e só numa coisa partilhada?"

Julian Barnes in Os Níveis da Vida

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