segundas oportunidades

calhou, naquele mesmo dia, ligar a televisão e alguém estar a falar de segundas oportunidades e de como a vida nos põe à prova, tantas e tantas vezes sem que o saibamos reconhecer, para fazermos mais e melhor. ou apenas diferente. 
naquela noite, deixei-me ficar distante, alheada em pensamentos, a tentar perceber tudo o que pode correr mal numa segunda oportunidade: já lá estiveste, sabes o que fizeste de errado, sabes que é preciso fazer de outra forma. e ainda assim insistes no erro. deixas-te ir, porque queres acreditar que as pessoas mudam. resistes, resistes muito, resistes o mais que podes. mas há um momento em que cedes e aceitas que as regras possam ter mudado, que o jogo desta vez pode correr a teu favor. acreditas com a convicção possível, porque afinal esta não é uma segunda oportunidade. nem uma terceira. nem uma quinta. já perdeste a conta. mas acreditas com a convicção de que esta é a oportunidade e estabeleces para ti, em voz alta, que é a última. ou é agora ou nunca. 
atravessas a marginal, com a música mais triste como pano de fundo, o mar ao lado, e tens a plena consciência de que, a dada altura, as decisões que tomas [ou que outros tomam por ti] têm que ser definitivas. que não és um peão num tabuleiro de xadrez e que tens que ser intransigente no que diz respeito à tua felicidade. que não a podes entregar nas mãos de outros, para que a (des)cuidem. que não podes ceder apenas porque na tua cabeça existe uma ideia romântica do amor e é por ela [talvez mais do que pelo amor em si] que insistes em manter esta relação. 
o inquietante é que te permitiste tantas oportunidades, que já não sentes muito. perdeste a capacidade da tristeza, do luto. já não te surpreendes. e isso é, sem dúvida, o pior que pode acontecer: a vida roubar-te as emoções. no máximo, irritas-te contigo própria, porque no fundo já sabias que ia ser esse o desfecho, mas ainda assim deixaste-te ir. é como se olhasses para a tua vida num ecrã, como numa realidade paralela, numa espécie de filme, que já sabes como termina. no entanto, ficas ali, colada, a revê-lo vezes e vezes sem conta, sempre na esperança de que tudo mude e desta vez o final seja feliz. 
não foi. pelo menos não aqui, neste lugar e nestas circunstâncias. mas há-de ser. e provavelmente, quando menos esperares, as emoções voltam em catadupa, para te lembrar que estar aqui, comprometida com a vida e com o que ela te reserva, é essencial para não deixar que as oportunidades te passem ao lado. e não precises de uma segunda, porque a primeira foi certeira.

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