página em branco

"Eu quero a página em branco para a escrever com a minha vida. Eu quero a dor e a alegria — quero todas as dores e todas as alegrias. Quero tudo o que sirva para escrever. Eu quero que as histórias venham até mim e me engulam, quero que elas sejam tão fortes que não consiga esquecê-las e só encontre sossego escrevendo-as. Eu não quero, como outros que escrevem dizem, saber das palavras. As palavras vêm, sempre vêm, quando têm de vir — quando fazem sentido, quando estão ao serviço da escrita e nada mais. Eu quero a vida inteira, quero olhar, escutar, sentir, lembrar-me. Quero a vida das pessoas e dos personagens, quero o cheiro dos lugares, a memória da luz, a consistência das coisas. Eu quero ouvir os que
foram felizes e os que sofreram, os que traíram e os que sentiram a faca nas costas. Eu quero ouvir toda a tragédia, toda a grandeza, toda a felicidade. Eu quero a vida como ela é. Quero contá-la, escrevê-la com as palavras que sempre chegam — quando me sento em frente à página em branco do computador e sei que tenho de escrever, porque não há nada melhor que eu possa fazer em troca de estar vivo".

Miguel Sousa Tavares

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