Manual de Felicidade para Neuróticos

apaixonei-me pela escrita do Nuno Amado, quando li À Espera de Moby Dick. lembro-me de, na altura (já lá vão três anos), ter ficado com pena de que ele não tivesse mais romances publicados, senão teria devorado todos em três tempos. foi o que aconteceu com o Manual de Felicidade para Neuróticos, que li em pouco mais de duas semanas, o que para mim é muito bom. se eu tinha grandes expectativas, elas não ficaram defraudadas, pelo contrário, fiquei agarrada desde o primeiro parágrafo.
não sendo um romance tradicional, a história parte justamente de um livro, o manual, que está a ser construído por um escritor e um psiquiatra. para darem exemplos de como alcançar a felicidade, a história é intercalada com os capítulos do próprio manual, onde se contam casos isolados, com os quais nós, leitores, nos identificamos mais ou menos. o tom é sempre ligeiro, mas assertivo, pontuado por muitos momentos de humor, à semelhança do romance anterior. é de uma leitura fácil e acessível, mas, a ser cuidada, dá-nos muito o que pensar. quem nunca leu nas entrelinhas de um excerto algo que podia ter sido escrito para si? um livro que me fez rir, sonhar e que me emocionou; não posso pedir mais.


Há momentos que, de tão perfeitos, não deviam ser vividos, porque parece que tudo o que venha a acontecer depois ficará sempre aquém, saberá sempre a pouco. (p. 31)

Aqueles dois pareciam irradiar desejo e contudo conseguiam manter-se a escassos milímetros um do outro sem colapsarem. (...) Estavam naquele momento maravilhoso que antecede o beijo, já com a certeza de que este ia acontecer, prolongando apenas a sua chegada para aumentar o impacto, como numa das menos conhecidas versões do beijo de Rodin? (p. 122)

Encontrar um amigo numa cidade estranha num dia cinzento numa altura da vida em que parece que estamos infinitamente sós
Encontrar um amigo na nossa cidade no local e hora em que combinámos encontrarmo-nos numa altura da vida e que parece que o mundo está cheio de pessoas que olham por nós e nos fazem companhia
A primeira vez em que se beija alguém que minutos antes se queria muito beijar mas não havia a certeza de que alguma vez o beijo pudesse vir a acontecer (p. 126)

Não dêem ouvidos, alma ou qualquer outra parte do corpo às pessoas que não gostam de musicais, desprezam histórias fabulosas e abominam finais felizes. (p. 160)

São gerações inteiras sem capacidade de foco. Vivem para o momento, e por isso não estão no momento. (...) Estão sempre ansiosos de que haja um sítio melhor para se estar, de que por muito bom que seja o que estão a fazer se calhar há algo melhor ainda para fazer. Nunca vivem no aqui e no agora. Saltam de festa em festa, de emprego em emprego, de cama em cama. (p. 171)

A memória é mais como as bonecas russas, as matrioscas, só que em vez de ter dentro de si uma réplica mais pequena da que foi aberta, tem uma completamente diferente. Abrimos a memória de uma canção e temos lá dentro um lugar, e abrimos a memória desse lugar e vem-nos um sabor, e dentro do sabor uma sensação táctil que se abre para revelar uma imagem, que nos traz uma voz, que nos lembra um encontro, que revela uma nova canção, e assim por diante. Sim, se nos deixarmos estar quietos e nos lembrarmos, verificamos que lembrar, que acordar a memória sem lhe pedir mais do que para vir até nós, é permitir que o passado se reviva, se reconstrua sem cessar na nossa mente. É a verdadeira máquina de movimento perpétuo. (p. 209)

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