be good, 2017

sempre ouvi dizer que, depois de se ter um filho, os pais nunca mais dormem da mesma maneira. não (só) porque os bebés choram, mas porque há algo em si que muda e que nunca mais os deixa descansar completamente.
quando alguém próximo tem um cancro, acontece mais ou menos a mesma coisa: cada telefonema é um sobressalto, cada resultado de um exame demora uma eternidade, cada melhora pode ser apenas temporária. o cancro - mesmo que não em nós - muda-nos. muda a forma de estar, a forma de olhar para a vida e para os outros, dá-nos uma noção de fragilidade e de finitude e de efemeridade com a qual não queremos ser confrontados. 

o cancro não avisa: aparece e pronto, instala-se sem pedir licença e vira-nos a vida - e o coração - do avesso. revoluciona tudo, mas fá-lo de forma silenciosa. obriga-nos a procurar forças para nós, mas sobretudo para eles, para que nunca lhes faltemos, para que possamos dar-lhes a dose extra de energia e otimismo de que precisam para ultrapassar a doença. 
o cancro é uma palavra difícil e definitiva na sua omnipresença. para os que convivem com ele, o processo de aceitação é duro, revoltante e estranhamente rápido: é preciso olhá-lo de frente para o dominar, dizer-lhe com convicção que não vencerá, que a derrota é o único caminho que lhe resta, custe o que custar. de quem nos rodeia, é curioso ver como algumas pessoas se aproximam desinteressadamente, só porque sim, porque nos querem bem; outras afastam-se, porque não sabem como encarar ou lidar com a situação, temem ser invasivas e não percebem que simplesmente estar é o amparo de que o doente precisa. 
os últimos meses têm sido um processo de aprendizagem. lidar com o desconhecido requer tempo e informação. requer sobretudo paciência, porque aguardar por cada novo exame, cada operação, cada tratamento, parece uma eternidade. a vida fica suspensa na espera. e na esperança, que é tudo a que estranhamente nos podemos agarrar.
aos poucos, o mundo retoma o seu caminho. e nós seguimos com eles, mão na mão, um dia de cada vez.

Comentários

Maria Rita disse…
Doença maldita essa que destrói e nos destrói por ver destruir.
Faz hoje um ano eu recomecei a trabalhar depois de estar de licença de maternidade, faz também hoje um ano que soube que o meu pai tinha cancro, em 4 meses levou-o. Foi tudo tão rápido, foi uma impotência tão grande ver o sofrimento dele, companhia era a única coisa que podia fazer.
Quando me dizem tu mudaste, eu digo que a vida obrigou-me a mudar.
Eu sei que não há muito a dizer, lutar e aproveitar.
beijinho e força
Enjoy the Ride disse…
um beijinho, Maria Rita. e obrigada.
Dulce disse…
Olá! Que bom ter-te por aqui outra vez :)
Lamento saber que alguém próximo está a passar por um momento tão doloroso e angustiante ... não é nada fácil para quem sofre e para quem está próximo e nada pode fazer a não ser estar presente,transmitir amor,confiança e serenidade ( já passei por isso infelizmente) mas há histórias felizes e é nisso que têm de se concentrar.
Votos para que tudo corra pelo melhor e votos de um excelente ano novo.
Beijinhos
Enjoy the Ride disse…
obrigada, Dulce. aos poucos, as coisas vão serenando e vão melhorando. mas nunca mais, nunca, se vive da mesma maneira. temos de reaprender a viver, mas com esta sombra.
beijinhos e bom ano! :)