no divã

até 14 de abril, no Teatro Aberto, estão em cena as peças A Verdade/A Mentira, de Florian Zeller. se puderem, não percam, porque os textos são fabulosos! tal como a Patrícia André e o Miguel Guilherme, fantásticos. as peças complementam-se de uma forma estranha, chegamos ao fim com a sensação de termos corrido uma maratona mental, em bom, que nos obriga a pensar e questionar as relações, sobretudo amorosas. 
há dias, a propósito de uma entrevista ao Florian Zeller, e também por causa de uma deixa que fica no ar em ambas as peças, ando com uma ideia aqui a pairar: as pessoas não querem a verdade. por muito que se diga que sim, que a verdade é essencial em tudo na vida, nenhum de nós está verdadeiramente preparado para ela. 

imagem
é comum [e ninguém pode dizer o contrário] darmos connosco em pequenas mentiras para sermos delicados ou educados. pequenas mentiras que não fazem mal a ninguém e impedem que sejamos rudes aos olhos dos outros, podendo magoá-los ou minar as nossas relações sociais. por exemplo, ninguém gosta de sinceridade em demasia, quando se trata de avaliar coisas tão banais como o vestido novo, ou coisas mais sérias como aquela resposta que demos ao colega no trabalho que nos contou sobre um dado comportamento que teve e que espera a nossa aprovação. nesses casos, em que a mentira não é prejudicial, a magia está em saber dizer a verdade sem nos comprometermos ou comprometermos as nossas relações, sejam elas de amizade, familiares, sociais ou profissionais. nem todos temos esse dom, mas vale a pena tentar. 
o problema são todas as outras mentiras graves, que põem em causa as nossas relações, a nossa vida e a dos outros. por norma, nas relações amorosas, sou a favor da lealdade e da honestidade acima de tudo. tendencialmente, por tudo o que já vivi, acredito que uma verdade crua tem mais benefícios a longo prazo do que uma mentira elaborada. se dói? com toda a certeza. mas pelo menos sabemos com o que contar e como agir. aquilo que não sabemos não nos pode magoar... mas, mais tarde ou mais cedo, virá à tona. e perceber que a mentira se transformou numa gigante bola de neve é, na minha opinião, muito pior. ninguém gosta de se sentir enganado, mas pior ainda é sentir que se arrasta no tempo e que a dimensão é muito maior do que aparentemente parece.
ao contrário, na vida de todos os dias acontece um pouco o inverso: com a desculpa de que temos de ser polidos e não magoar os sentimentos alheios, passamos a vida a mentir uns aos outros. como se dizer a verdade, ainda que de forma educada ou delicada, não nos poupasse tantas vezes a complicações. no trabalho, é comum termos de andar com pinças porque, regra geral, as pessoas não distinguem o trigo do joio; ou seja, para a maior parte, tudo aquilo que se diz é um ataque pessoal. não se pode fazer um reparo ou ser frontal, que as pessoas tomam isso como uma ofensa e amuam. não sei, porque nunca trabalhei noutro lado a tempo inteiro, se é genérico ou uma característica própria da cultura da empresa onde trabalho. mas sei que chego ao final dos dias, ou uma boa parte deles, exausta por ter de me preocupar com as sensibilidades em vez de me concentrar no trabalho que tenho para fazer. é muito cansativo, acreditem, ter de andar constantemente a fazer contas de cabeça para adivinhar o que é (que não) posso dizer, escrever ou fazer que vai maçar os outros, com o que é que se vão aborrecer e de que forma o posso contornar. dizer, escrever ou fazer o quê, a quem, de que forma, com quem tom, em que momento e em que sítio, é esgotante. não sou uma pessoa mal educada, bem pelo contrário. mas, como me dizem muitas vezes, sou sacudida e pragmática. não gosto de (nem tenho tempo para) perder tempo com futilidades, inutilidades e conversa de circunstância. sei que não somos todos iguais, mas somos todos já bastante crescidos para não nos comportarmos como crianças e aguentarmos (um)a verdade. não temos todos de ser amigos nem de ir para os copos. mas temos de saber estar social e profissionalmente e gerir as nossas emoções no trabalho. e eu gostava de poder ir trabalhar sem ter de pensar quais serão os amuos do dia e de que forma posso evitá-los. uma pessoa não tem filhos, mas acaba a fazer psicologia diária com as birras dos adultos.

Comentários