eu, robot

há uns dias, quando conversava sobre o facto de chegar demasiado cansada ao fim do dia, sem que o trabalho justifique tanto cansaço, alguém me dizia que absorvo demais os problemas dos outros. não se trata de uma coisa altruísta, de todo. mas, sobretudo no trabalho, as pessoas procuram-me muitas vezes para desabafar. como sou boa ouvinte e não comento a vida ou os problemas dos outros, eles sabem que podem falar e que tenho (quase) sempre uma palavra para lhes dar. quando não tenho, por vezes só desabafar ajuda. acresce a isso o facto de estar na mesma empresa há muitos anos e já ter visto muitos dos comportamentos e situações de que se queixam e que invariavelmente se repetem. em sentido contrário, isso acontece pouco. não por falta de confiança, mas porque sou naturalmente uma pessoa reservada, que exterioriza pouco as emoções e as reclamações. por isso, a tendência é absorver tudo e acabar por me indignar com os meus problemas... e com os de quem me procura para conversar. 
no entanto, tenho uma regra: sempre que alguém se senta para conversar comigo, seja em contexto profissional ou pessoal, o telemóvel fica longe. não concebo estar a conversar com uma pessoa, que me escolheu para desabafar, e não lhe dar toda a minha atenção. poucas coisas me tiram tanto do sério quando noto que não fazem o mesmo comigo. telemóveis ou computadores, redes sociais ou outra app qualquer, é igual. acho que todos nós merecemos a atenção necessária, especialmente quando falamos de coisas sérias. no que é que isto resulta? que muitas vezes - demasiadas - as pessoas não estão verdadeiramente a dar-nos atenção. estão apenas a ouvir-nos em fundo e a acenar com a cabeça, deixando cair um hum hum, como se realmente estivessem a escutar, enquanto respondem a mails, fazem scroll no Facebook, trocam mensagens no Whatsapp ou atualizam a story no Instagram. acontece-me frequentemente contar qualquer coisa, até coisas banais, como o concerto a que fui no dia anterior ou os planos que tenho para o fim de semana seguinte, e as pessoas não ouvirem. ou melhor, talvez ouçam no momento, mas não registam. e dizem-me uns dias depois, com ar muito espantado, que tu nunca me disseste isso! quando acontece uma vez, passa. duas, três, já chateia. mas quando é recorrente, além de me irritar muito, chega a ser falta de respeito. fico com a sensação de que enviar um mail é mais eficaz do que falar pessoalmente. isso é triste, mas muito o espelho dos tempos que vivemos. já não se trata de dar na mesma medida em que se recebe, porque, como sabemos, as relações, sejam elas de que natureza forem, são desequilibradas; há sempre alguém que dá mais e o segredo está em sabermos ajustar-nos e não cobrar isso a toda a hora. trata-se, isso sim, de estarmos a perder a capacidade de simplesmente estarmos pessoalmente com alguém, de mantermos relações sociais saudáveis, de abdicarmos por um par de horas (ou dez minutos, é indiferente) de atualizar o nosso estado (e o dos outros) nas redes, como se isso fosse a vida real. tenho novidades: não é. como muito daquilo que é publicado não corresponde às vidas idílicas que julgamos que os outros têm. por isso, se são daquelas pessoas que trocaram o convívio com os vossos amigos e familiares por um ecrã de telemóvel, esforcem-se por fazer o caminho inverso e voltar para o mundo real. vão ver que não se arrependem, que se sentem muito mais humanos e preenchidos e eles agradecem.

Comentários