o dia em que sobrevivi

ontem, passou um ano sobre o dia em que quase morri. a história é simples e conta-se rapidamente: uma suposta gastroenterite mal diagnosticada num hospital público. quatro dias de dores insuportáveis, sem conseguir andar, que culminaram na urgência do hospital privado onde trabalha o meu médico e onde a minha mãe foi enfermeira toda a vida. depois de horas a tentarem perceber o que eu tinha, análises e exames sem fim, o diagnóstico era tão claro como assustador: um quisto que rebentou no ovário, provocando uma infeção, e uma peritonite. a solução também: operação imediata. o meu estado de desespero era tão grande, que não tive tempo para processar toda aquela informação; só queria que me tirassem as dores. soube depois que tinha também um início de uma septicemia, que é uma infeção grave e generalizada, que, se não for rapidamente e devidamente controlada, causa a morte. 
foram as três semanas mais longas e dolorosas da minha vida, mas não é delas que vos quero falar. prefiro antes contar-vos que este foi um ano do caraças. daqueles mesmo bons, cheio de montanhas russas emocionais, que nos desafiam e fazem crescer. um ano que me permitiu sentir mais - mesmo quando preferia não sentir para não sofrer -, viver mais. não no sentido de quantidade, mas de estar, de valorizar, de apreciar os momentos quando eles estão a acontecer. ter mais consciência das pessoas com quem estou, dos lugares onde estou, das coisas que estou a viver. ao longo deste ano, aconteceu-me muitas vezes emocionar-me com coisas banais, outras extraordinárias, com o simples pensamento de que eu podia não ter estado cá para ver ou viver isto
não posso ser hipócrita a ponto de dizer que a minha vida mudou radicalmente, que vi uma luz e tive uma epifania. não. eu nem sabia que podia morrer naquele dia. ou melhor, não mais do que em qualquer outro. não me apercebi verdadeiramente da gravidade do que me aconteceu senão depois de a tempestade estar controlada. e isso deve-se a todas as pessoas que me rodearam e protegeram. devo-lhes muito, inclusive (ou sobretudo) a vida. devo-lhes o carinho e o cuidado, o amparo permanente, a dedicação e o tempo, essa entidade que teima em fugir-nos e que usamos como desculpa para não fazermos o que não queremos. também houve pessoas dessas, as que não tiveram tempo para mim, que desvalorizaram, que não se importaram. são muito poucas, felizmente. guardo-as todas, para nunca me esquecer com quem posso verdadeiramente contar. 
às vezes, olhamos para trás e parece que foi ontem. para mim, tudo aquilo parece que foi há imenso tempo, numa realidade paralela. tenho momentos que recordo como se eu estivesse a ver de fora aquela pessoa, naquela cama de hospital, uma entidade exterior a mim. são estranhos estes mecanismos de defesa que inconscientemente arranjamos. mas funcionam e permitem-nos seguir em frente. 
lembro-me muitas vezes disto, especialmente em alturas difíceis, para me obrigar a relativizar e por os pés no chão. e ter a consciência de que temos sempre forças que nunca imaginámos ter, que nos fazem superar o impensável. todos nós, cada um de nós, tem um pouco de super herói dentro de si. só temos de vestir a capa e salvar o mundo diariamente, nas nossas pequenas batalhas, o melhor que sabemos e podemos. com todos aqueles que amamos por perto. o relógio não pára e há muito para viver.

Comentários

Dulce Pedroso disse…
Estas experiênias são realmente assustadoras e poem muitas coisas em perspectiva.
Há 20 anos atrás quase perdi a vida num acidente no mar, desde então, mais que nunca, sou grata à vida e às pessoas que me rodeiam. Mesmo já tendo perdido uma das pessoas que mais amo, o meu pai, e mesmo convivendo de perto com a depressão da minha mãe e da minha irmã, que acham que a vida é uma merda, eu sou extremamente positiva e foi a beleza das pequenas coisas do dia a dia que me salvaram de não ir ao fundo na pior fase da minha vida, que é ver uma pessoa tão importante doente e acabar por partir.
É um cliché eu sei mas a vida é mesmo uma passagem por isso Carpe Diem <3
Ainda bem que estás cá :*
Joana disse…
os clichés são sempre verdadeiros. é por isso que fazem tanto sentido. :)
é engraçado como criamos empatia com pessoas que não conhecemos, só pelo que lemos delas e pelo apoio que nos dão, mesmo sem saberem. obrigada por isso, Dulce. e por estares sempre aí. :)
beijinhos e força, essa que todos os dias te faz seguir em frente!