despedidas

"(...) No entanto, as crianças de um ano não são ainda capazes de imaginar o futuro. Não conseguem. Podemos dizer-lhes 'Amanhã acontecerá isto', elas ouvem, mas 'amanhã' será uma palavra estrangeira. (...) O facto de as crianças de um ano não serem capazes de imaginar o futuro é, ao mesmo tempo, o seu conforto e a sua angústia. Se, por um lado, a absoluta ignorância acerca daquilo que lhes irá acontecer é uma ausência feita de proteção, por outro lado, perante uma despedida, as crianças de um ano sofrem sem palavras porque não conseguem conceber o regresso da pessoa que parte. (...) Para as crianças de um ano as despedidas são sempre definitivas. 
Quando alguém vai à mercearia, quando sai de manhã para o emprego, as crianças de um ano consideram a sua ausência definitiva. Por um instante ou por instantes alinhados e sucessivos, acreditam que perderam para sempre tudo o que constituía aquela pessoa e que talvez não fosse exprimível por nenhuma palavra (...). Chovem perdas permanentes sobre as crianças de um ano, como se Deus ou o tempo quisessem mostrar-lhes uma verdade cruel, quisessem habituá-las a essa verdade. Mas as crianças de um ano têm olhos grandes e não se habituam a uma tempestade desse tamanho ou, mais corretamente, demorarão muito a habituar-se.
Se te falo de tudo isto é porque esse é, com exatidão, o mesmo medo que sinto quando sais de perto de mim. Nesses momentos sou sempre soterrado pela certeza de que nunca mais voltarás".

José Luís Peixoto in Abraço

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