"Os dias contigo são dias
inteiros que passam num instante. Tenho saudades de ti quando acordo, antes de
perceber que já estás ali ao meu lado. Tenho saudades de ti de manhã enquanto
espero que desças do banho. Fico bem a ler enquanto te espero, mas leio melhor
quando estás ao pé de mim, quando já não me apetece ler.
Hoje
foi mais um dia contigo e, mais uma vez, dou comigo aqui à noite, separado de
ti, para escrever sobre o dia que se passou. E a coisa principal que aconteceu
foi ter saudades de ti outra vez.
Bem
sei que sei onde estás e que eu estou aqui a cinco passos de ti. Mas a maior
certeza que tenho é que, apesar disso tudo, não estou contigo nem tu estás
comigo. É o que me basta para ter saudades de ti. Não preciso de mais: se mais
tivesse, morreria.
É
verdade que estive contigo durante uma pequena parte do dia: aquela a que as
pessoas tristes e habituadas chamam vida. Mas estava tão apaixonado e tão feliz
que nem dei por isso.
Pensei
apenas: "Conseguimos! Conseguimos estar juntos! Nem acredito!" E o
tempo nunca é suficiente para me convencer que conseguimos mesmo estarmos
juntos e, ao mesmo tempo, estarmos juntos o tempo suficiente para deixarmos de
nos preocuparmos (e sofrermos) com isso.
Continuo
a sofrer, todos os dias, às mesmas horas em que não estou contigo, da saudade
de quando estive. Os dias contigo são os bocadinhos de manhã, tarde e noite que
são avaramente permitidos aos mais felizes.
E
apaixonados. E ingratos".
Miguel Esteves Cardoso in Público, 26 de maio de 2015
Comentários